Por Eduardo Bacani Ribeiro, doutorando da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
Paranapiacaba se revela para nós em um dia inicialmente nublado. Além de nossa equipe, composta de estudantes e profissionais com diferentes formações, oriundos de universidades diversas, podemos avistar vários grupos de estudantes do ensino médio que também vieram visitar o local. Logo no início de nossa caminhada, foi possível observar que não é a vila ferroviária do século 19, mas a comunidade do século 21, que – para além da preservação de um patrimônio histórico – precisa viver e sobreviver nesse espaço.
Com o imponente paredão da Serra do Mar como pano de fundo, a vila fala uma linguagem estrangeira em meio a uma vegetação que é tipicamente brasileira: entre bananeiras, ipês e palmeiras jerivás, avistamos o relógio que coroa a torre tão marcante na paisagem, um indício do vocabulário inglês. Em determinados trechos, a Mata Atlântica se apropriou novamente do que é dela por direito, ela cobra com afeto, para si, aquilo que é esquecido pelo homem. Já a arquitetura forasteira é mais que uma imagem, esclarece a identidade do empreendimento ferroviário que deu origem a toda essa área.
Na parte dos galpões, caminhamos entre equipamentos de diferentes portes que, por si, não se explicam; eles estão expostos em edificações moribundas e empoeiradas, com vidros quebrados e paredes sujas, marcadas pela umidade e, até mesmo, pela erosão dos tijolos aparentes que caracterizam a arquitetura de natureza industrial. O conceito de esquecimento ecoa por todos os cantos.
No centro de uma pequena praça, está o coreto amarelo, cuja cobertura é sustentada por trilhos; ali o silêncio dominante é vencido apenas pelo burburinho dos estudantes que visitam o local. De repente, somos absorvidos pelo saudosismo ou pelo romantismo tão presentes na personalidade de um profissional que trabalha com o patrimônio histórico. Assim, entre as ruas de paralelepípedos, somos atravessados pela imagem de um passado que é incapaz de garantir o seu futuro; nesse momento, já não somos mais agentes potencialmente transformadores, mas reféns de um processo incontrolável.
Ao tentar percorrer trechos próximos à via férrea, somos surpreendidos: esta é uma área operacional! Vocês nem poderiam ter entrado aqui – avisa o trabalhador na ferrovia. Perguntamos a outro funcionário se poderíamos entrar apenas para tirar uma foto da torre do relógio e, imediatamente, ele responde: “Não! Se vocês entrarem para tirar uma foto do relógio, poderão acabar presos!”. A linha, que é tão presente e marcante, paradoxalmente, é distanciada, alienada, silenciada.
No entanto, embora com as proibições – tanto da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária quanto da administradora da ferrovia –, conseguimos percorrer alguns trechos próximos à via férrea e decifrá-la melhor. A passarela metálica que passa sobre ela e conecta as diferentes partes da vila, única ligação entre elas, está apoiada com escoras metálicas e seu ferro se tornou abrigo para fungos e espécies vegetais. Em certos pontos, vem a dúvida: é uma passarela metálica ou de terra? A patologia presente ali, de imediato, assinala dois tempos, o da ação do meio ambiente sobre a materialidade e o da inação do homem diante desse fato. Dessa forma, o único elemento que é conexão pode se tornar ruptura, barreira.
Quando estamos na parte alta, identificamos uma placa com informações sobre a “vila velha” e a “vila nova”, mas não há explicações sobre o local onde estamos; ali não existe o planejamento ou as casas de madeira da vila inglesa. Assim, a placa informativa não reconhece o orgânico e informal, ela classifica e registra uma Paranapiacaba excludente, que viola a própria ideia de conjunto. Parana-pi-acaba… acaba… acaba, em qual parte desses trilhos esqueceram o teu endereço? Tu és refúgio da saudade ou um anúncio de nossa incapacidade?
– Aquela parte é esquecida? – pergunta um dos pesquisadores.
– Eu diria negligenciada – responde outro.
– Se aquela é negligenciada, esta, onde nós estamos, é qual? – observa um terceiro.
– Evidenciada, esta é a parte evidenciada – concordam os integrantes do grupo.
Depois do primeiro dia, Paranapiacaba é encantamento e crítica, cenário e palco. A neblina sorrateira, de repente, abraça-nos neste devaneio e embala nossa ânsia de repensar esse espaço. Da janela de uma das casas de madeira, uma senhora, ao perceber nosso interesse pela construção, acena carinhosamente. Sem saber, ela alimenta nossa esperança de revisitar, um dia, uma “nova” Paranapiacaba.
(Este texto foi escrito com base nas atividades de campo, realizadas entre os dias 26 e 28 de abril de 2023, propostas pela Oficina 3×3 Paranapiacaba – Técnicas e procedimentos de reconhecimento em paisagem cultural da produção, coordenada pelos professores Eduardo Romero de Oliveira, da Unesp, e Enrique Larive-López, da Universidad de Sevilla).
Artigo produzido por Eduardo Bacani Ribeiro, doutorando da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, e publicado originalmente no Jornal da USP neste link.
Fotos: Acervo SantoAndré.BIZ
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